Friday, December 22, 2006

Início de uma parceria.

O dia de hoje está longe de acabar! Mas mesmo com a distância do fim de mais um dos trezentos e tantos que temos todos os anos, posse afirmar com certeza que foi um bom dia. E olha que eu nem precisei ficar acordado à noite pensando e argumentando comigo mesmo se as horas que eu deixei para trás haviam valido a pena ou nao (coisa que não canso de fazer).
Hoje recebi uma proposta de um amigo para dividirmos o blog que ele já possuía. Fato que me pegou de surpresa por dois motivos: Em primeiro lugar, porque vindo dele, que é realmente um escritor (diferente de mim, que apenas brinco com as palavras) , é um elogio. Não sei o que eu posso acrescentar em um blog que já é fantástico por si só. E segundo porque, diabos, nunca pensamos em fazer isso antes, se somos duas pessoas tão parecidas e que buscamos coisas tão parecidas na vida. Que bom que, pelo menos, alguém foi sensato o bastante para sugerir a idéia.
O blog Le Magnifique se propõe a isso a partir de agora. Um espaço para que duas pessoas tenham a oportunidade de se manifestarem e expressarem idéias nos mais variados estilos: contos, poesias, crônicas, músicas...

Para dar início, então, à essa parceria, eu começo com um conto que eu escrevi há um tempinho atrás intitulado "Viagem e Dilema". Não reparem o amadorismo da escrita (foi o primeiro...)
Espero que alguém aproveite!
P.S: O dia foi bom, também, porque recebi um presente vindo de longe. Mas isso é estória pra outro post.
Viagem e Dilema

Já se passava mais de meia hora que o ônibus estava atrasado. Sílvio já estava impaciente. Perdera a conta do número de vezes que havia se sentado e levantado no ponto de ônibus, agora lotado. Parecia à ele que a faculdade inteira estava ali. Todos com pressa, estressados, cheios do dia que tiveram e ansiosos para irem embora.
Lá no horizonte, no fim da avenida, um ônibus se aproximava. Todos olharam excitados, ansiosos. Sílvio se levantou do banco e observou que, finalmente, era a sua condução. Foi ultrapassando e cortando as pessoas paradas e frustradas por não ser a sua condução para casa, e embarcou.
Como sempre, o seu ônibus nunca se enchia, e sempre havia um lugar para se sentar. Desta vez não foi diferente. Sílvio atravessou todo o veículo e sentou-se no último banco, lá no canto esquerdo. Desde pequeno gostava desses "cantinhos", mas nunca compreendeu o motivo. Até mesmo nas aulas da faculdade, com freqüência, escolhia os lugares do canto.A viagem de volta para casa começou.
O caminho de todo o dia se repetia mais uma vez, porém ao contrário. Era sempre igual. Sílvio sabia de cor as casas e as ruas; as lojas e os prédios. O tempo parecia parar quando o ônibus andava.
A catraca rodou e uma garota veio se aproximando, cheia de cadernos e vestida com um uniforme escolar. Ela se sentou no outro canto, próximo de Sílvio, no outro "cantinho". A garota estava com os olhos inchados e vermelhos , provavelmente conseqüência de uma crise de choro. De vez em quando, emitia uns soluços sufocados pela vergonha. Sílvio olhou a menina com curiosidade. Na verdade, sempre fora curioso; era sua característica marcante. O que será que aconteceu?, pensou Sílvio. Será que ela havia tirado nota baixa? Ou então bombado em uma matéria? Provavelmente foi isso. Sílvio se lembrava de muitas pessoas que choravam por causa de notas em seu tempo de escola.
A menina era jovem. Deveria ter no máximo dezessete anos. Cabelos lisos e louros, seu rosto fino estava inchado; os olhos castanhos avermelhados. Em outros momentos deveria ser bonita. Mas não agora, seu sofrimento era visível. De repente, ela teve um crise de choro. Colocou sua cabeça entre as mãos e chorou, chorou com vontade.Sílvio começou a ficar intrigado. A coisa era muito mais séria do que ele imaginara. Talvez ela houvesse terminado com o namorado à pouco, alguém que ela gostasse muito. Sílvio teve uma vontade forte de intervir, perguntar o que acontecera; talvez falar o que se passava, ajudaria a garota. Não, melhor não, concluiu Sílvio. Não era problema dele. Não queria passar por intrometido.
De repente, um celular tocou. A garota abriu o seu estojo escolar, pegou o aparelho, e, ao ver o número no visor, começou a chorar ainda mais.
- Ah! Cíntia! Cíntia!- disse ela aos prantos ao telefone; as lágrimas escorrendo pelas bochechas. - Ele morreu, Cíntia! Morreu! O Edú morreu, Cíntia! Eu tô com o coração tão apertado!
A menina, nesse momento, atraiu olhares curiosos das poucas pessoas no ônibus. Sílvio escutava com atenção e pesar.- É, Cíntia!- continuou ela, o desespero na voz mais acentuado do que nunca.- Acidente de carro!....Eu tô sozinha no ônibus...tá ...tchau.....A garota desligou o celular e chorou ainda mais.
Então, alguém havia morrido, pensou Sílvio. Alguém muito querido, provavelmente. Mais do que nunca agora, Sílvio queria intervir, conversar com ela, ao menos dizer alguma coisa. Não. Era mentira. Sua vontade era de se levantar e abraçá-la, dar algum apoio, consolar uma pessoa que estava sofrendo tanto. A idéia de ficar sentado no seu canto, atormentava Sílvio. Ele teria que fazer alguma coisa, qualquer coisa. Mas, fazer o que?. Afinal, a menina acabara de perder um ente querido, sabe-se lá a sua reação. E Silvio sabia que, no fundo, não tinha coragem para tanto. Era melhor não fazer nada mesmo, concluiu ele. Não era seu problema.
Assim, então, a viagem prosseguiu. A garota chorando, agora em silêncio, e Sílvio fingindo que aquilo não o incomodava. Até o momento em que ela se levantou, puxou a cordinha e esperou o ônibus parar para descer. Com o veículo parado, Sílvio observou a garota completamente atordoada atravessar a rua. Tão atordoada, que nem reparou no carro buzinando, no seu freio queimando, nem mesmo no barulho estridente do atrito com o asfalto, muito menos ainda nos seus ossos e órgãos sendo dilacerados...Nem mesmo na sua última respiração.E Sílvio foi embora para casa, pensando. E dormiu com um sentimento de culpa que nunca o deixaria em paz.

Escrito por André Marçal