Wednesday, October 28, 2009

Fotos - Parte 1


Eu até tento, mas não consigo evitar. Sempre me pego vendo fotos. Mais especificamente, fotos em que você aparece. Vou pulando rapidamente aquelas que não me interessam, até achar uma em que você está. E, de repente, as coisas parecem ter sentido. Tudo se torna mais tranquilo, e o que parecia ser entediante se transforma no mais interessante.


Começo a sentir uma mistura de nostalgia e arrependimento, imediatamente seguida por uma frustração. Imagino você ainda por perto, e eu dizendo tudo aquilo que eu não disse. Imagino o seu sorriso de surpresa. Imagino nós dois em todos os lugares novamente. Imagino os nossos planos. Imagino momentos de paz de espírito.

Então, é hora de guardar as fotos.
E tudo volta ao normal...até o momento em que eu me pegar vendo fotos novamente. Suas fotos, especificamente...

André Marçal

Saturday, October 24, 2009

Realidade ficcional


Ele era do tipo que ensaiava algumas histórias. Pegava a caneta, abria o caderno e tentava preencher as linhas com alguma coisa que fosse relativamente interessante.

Era um apaixonado por ficção. Ele admirava todos os que conseguiam deixar o enredo tão interessante, a ponto de negligenciar todos os aspectos da vida só para saber o que vai acontecer em seguida.

Ele não via tanta graça na realidade. Tanto na do mundo e, principalmente, na sua própria. Tudo parecia tão mais interessante e intenso na realidade ficcionada! Mais cores, mais música, mais paixão...Na vida real, tudo em preto e branco, silencioso, sem amor...

Um dia, disseram a ele que a solução para isso era escrever exatamente sobre aquilo que ele não vivia. Viver a vida através das histórias. Ou ainda: contar aquilo que ele viveu e melhorar através da escrita.

E o melhor disso tudo era que ninguém jamais saberia a verdade. Ninguém conseguiria enxergar o limite entre a verdade e a ficção. Só ele. E, se a vida parecia não ter mistérios, esse seria o dele.

Só dele.


André Marçal

Friday, October 16, 2009

Desentendimentos

Certa vez disseram que ele deveria ser sempre verdadeiro. Sempre que possível, ele deveria dar opiniões sinceras sobre qualquer assunto. E se perguntassem sobre o que ele mais amava, ele deveria responder com o maior dos entusiasmos. Porque amor deveria ser contagioso. Deveria inspirar as pessoas. Amor teria que ser compartilhado, não?

Mas...quanto mais ele vivia, mais ele percebia que amor era algo em falta. Ao que parecia, as pessoas não amavam nada. O que existia era uma confusão. Era amor disfarçado de carência, falta de auto-estima. Algo momentâneo.

E que se mostrar verdadeiramente era campo propício para desentedimentos e incompreensões.

Ele leu em um livro: "There is, he thought, so little love in the world". E ele concordou.

André Marçal

Friday, October 09, 2009

Rasante



De repente, ele se dá conta que existem dois tipos de pessoas: aquelas que, por alguma razão incompreensível, tudo gira ao redor e que são capazes de fazer tudo do mais incrível acontecer; e aquelas que são exatamente o oposto.

E, por mais que ele negasse, por mais que ele tentasse esconder (principalmente de si mesmo), chega um momento na vida de todos que negação é um luxo, pois o tempo passa rápido, e a juventude vai indo embora mais depressa do que se espera.

Ele pertencia ao último grupo de pessoas.

Mais do que isso, ele percebe exatamente o tipo de pessoa que ele é. Idealizações são infantis, e embora a realidade possa parecer dura no começo, ele consegue notar uma certa liberdade nisso tudo.

Sem mais falsas esperanças. Sem mais expectativas exageradas. Tudo o que resta a ele, agora, é uma vida em que a beleza se encontra apenas naquilo que ele é capaz.

Um voô com as suas próprias asas, mesmo que seja apenas rasante.

André Marçal