Saturday, November 20, 2010

Certeza

É toda essa inconstância que faz dessa vida tão estranha. Em um final de semana, tenho você perto de mim, seu corpo explorando o meu, sono tranquilo pois tenho o seu carinho logo pela manhã. 

No fim de semana seguinte, só tenho a certeza de que vou acordar sozinho.


André Marçal

Wednesday, August 11, 2010

Boa Noite.

E tudo o que realmente importa, depois de um longo e estressante dia de trabalho, depois de matar a fome, depois de ter assistido qualquer programa de televisão descompromissado, depois de ter feito todo o ritual para dormir...e a noite é tão silenciosa que é possível escutar os ecos de uma solidão anunciada...o que importa é ter alguém nem que seja para falar um boa noite no celular. 

Ouvir aquela voz e ter a sensação familiar de que qualquer coisa vale a pena. E quando amanhecer um novo dia, cheio de atividades e compromissos, a certeza que de a noite vai garantir ao menos uma sensação de plenitude.
 
André Marçal

Wednesday, July 28, 2010

A primeira carta.

Tinha dez anos quando aconteceu pela primeira vez. Mesmo com a pouca idade, mesmo não tendo tanta maturidade para compreender as coisas, ele se surpreendeu. Achava que seria mais velho quando, finalmente, acontecesse. Pelo menos era o que todos diziam.

Ele gostava de ir à praça do bairro, onde existia uma quadra de vôlei, e vê-la jogar. Ficava reparando na habilidade que ela tinha com a bola, e como levava a sério o esporte. Ela mandava instruções e todos obedeciam, mesmo se não concordassem. Ela era popular pelo bairro inteiro, e sem sombra de dúvidas a garota mais bonita. Talvez por isso, todos relevassem qualquer tipo de defeito mínimo. 

Ia ao mercado do bairro, e quando via que ela estava lá também, ficava ali próximo da prateleira, fingindo interesse em algum produto. Ele ficava mexendo no cabelo de forma quase obsessiva porque diziam que era o que ele tinha de mais bonito. E ele queria que ela dissesse o mesmo. Ia para a fila do caixa junto a ela, mesmo que não houvesse escolhido exatamente o que queria comprar, só para sentir se ela usava algum perfume.

Descobriu com ela a falta de concentração em coisas mundanas. Começava ali a dificuldade de pegar no sono imediatamente...algo que o atormenta até hoje. Descobriu com ela que poderia se dar prazer só de pensar. Descobriu com ela os amores inventados. Criava situações entre ele e ela, diálogos, declarações de amor...

E achou que já era o suficiente, e tomou uma decisão. 

Ele sabia onde ela morava. Às vezes, pegava a bicicleta e dava voltas no quarteirão só para ver se conseguia vê-la, nem que fosse por alguns segundos. Mas, dessa vez, ele queria que ela não estivesse na rua. Foi pedalando até lá, determinado, segurando com cuidado a carta em uma das mãos. A carta, que seria a primeira de muitas na vida dele. Foi diminuindo a velocidade gradualmente, e parou por completo quando viu a casa em que ela morava. O carro não estava na garagem, e a julgar pelas janelas fechadas, não havia ninguém. Não acreditando na sorte, foi correndo até a porta, e deixou a carta junto com as outras que o correio do dia havia entregue ali. 

Ficou por dois dias imaginando a reação dela ao ler o que ele havia escrito. Acharia estranho? Ficaria lisonjeada? Ofendida? Nem daria importância? Será que responderia? A resposta ele teve no terceiro dia. 

Era festa junina do bairro. Ele brincava de "polícia e ladrão" com alguns amigos. Começou a procurar em um local quase às escuras entre uma árvore e um carro estacionado. O que encontrou foi ela aos beijos com outro rapaz. Um rapaz bem mais velho. Foi o bastante para que ele percebesse todo o absurdo da situação. E seguiu com a sua vida. 

Quinze anos depois, ele vê a mesma garota, agora uma jovem adulta, no mesmo clube que ele frequenta. Vão fazer exercícios juntos. E a vontade de perguntar sobre a carta aumenta a cada dia mais nele. Ele só quer saber se a história, hoje, pode ser diferente.

André Marçal

Sunday, May 09, 2010

Travesseiro

Fico ali deitado perto de você. Uso a sua barriga como o meu travesseiro. Você fica mexendo no meu cabelo, entrelaçando seus dedos em um vai-e-vem gostoso. Desce sua mão, como quem não quer nada, para a minha nuca.
Fico ali sentindo o toque macio dos seus dedos. E, de repente, não preciso de mais nada. Não falo, não penso e todas as minhas ansiedades desaparecem. 
Queria que você fosse o meu travesseiro por todas as noites. 

André Marçal

Thursday, March 18, 2010

Estranha familiaridade

Ela não tinha problemas com momentos pós sexo. Conseguia conversar sobre qualquer coisa, por mais irrelevante e desconexa que fosse. Silêncio não a incomodava. Podia ficar ali só olhando os corpos cansados, peitos arfantes. Sem problemas se a abraçassem de lado, encaixassem o pescoço no ombro dela enquanto acariciavam seus cabelos. Um "te amo" susurrado no ouvido e tudo fazia sentido. 

Mas, hoje não. Era tudo diferente. O corpo ofegante do lado era estranho a ela. Não teria o que conversar nesse momento, e cafuné em seu cabelo seria algo do mais constrangedor. Tentou permanecer em silêncio. Trinta segundos depois, se levantou, vestiu a primeira peça de roupa que encontrou e foi para o banheiro. 

Ficou se encarando no espelho sem saber muito bem o que procurar. De repente, sentiu-se estranha em sua própria casa. Um sentimento novo o qual ela não estava gostando. "Isso nunca aconteceria se fosse com...", mas interrompeu o pensamento. Pensar nele agora só dificultaria ainda mais. 

Ouviu o barulho da janela se abrindo e o inconfundível abre-fecha de um isqueiro. Antes que o inevitável acontecesse, ela abriu a porta do banheiro e entrou no quarto. Encontrou ele quase vestido e com o cigarro na mão. Tentou fazer um cara impassível e esperou. 

"Eu ia te perguntar se podia fumar aqui, mas você foi para o banheiro...", tentou justificar ele.
"Eu não fumo", foi tudo o que ela conseguiu dizer. Encarou aquele corpo semi desnudo mais uma vez e achou tudo estranho. Não conseguiu evitar o desejo. O outro. Aquele outro corpo que era tão familiar a ela. Sabia quase de cor.
"Desculpa, então". Jogou o cigarro pela janela mesmo. Foi até a cama e vestiu a camisa. Pegou os sapatos e emendou: "Eu tenho que ir. Tenho que ir mesmo".
"Tudo bem...", ela respondeu e tentou sorrir.
  
"Eu te ligo depois", disse enquanto colocava o cinto. "Você me deu seu celular, não?"
"Acho que sim...".
Ele não checou.
"Certo, então. Eu te ligo".
"Claro..." ela disse, mas não queria que ele ligasse.
Ele se aproximou dela para se despedir. Tentou dar um beijo, mas desistiu no meio do caminho. 
"Tchau, então".
Ela o encarou mais uma vez. "Até um dia...", foi tudo o que conseguiu dizer.
"Até", ele respondeu e foi embora sem olhar para trás. Ela não precisou acompanhá-lo até a porta.

Ela ficou sozinha no quarto. Deitou na cama mais uma vez. Como tudo nessa noite, o cheiro impregnado em  todos os cantos era estranho. 

Não mais estranho, obviamente, que esse sentimento. E ela não sabia mais o que fazer. A única solução que conseguia enxergar era dormir. Amanhã ela iria tentar de novo. Iria, a todo custo, tentar encontrar a familiriadade novamente. Sempre.

André Marçal

Sunday, March 14, 2010

Sábado

Era uma noite de Sábado quente e preguiçosa, e uma inquietação começou a tomar conta dele. Era sempre assim quando noites de fins-de-semana começavam a se aproximar. Nesse dia em particular, entretanto, o desassossego parecia ainda maior. Ele não sabia muito bem o que fazer. Pensou em ficar em casa mesmo. Já era familiarizado demais com esse sentimento para saber que logo iria passar. Resolveu assistir a um filme, mas não conseguiu terminar. Começou a folhear um livro jogado na estante do quarto, mas não conseguiu concentrar na leitura. Tentou escrever alguma coisa, mas só ficou encarando as linhas da folha em branco.

Chegou à conclusão de que seria melhor sair para algum lugar. Ficar em casa seria doloroso demais. Pegou o celular e começou a ver todos os nomes da agenda. Nenhum parecia interessante. Desejou que alguém ligasse para ele, e o convidasse para algum lugar, só para variar um pouco. Mas o celular não tocou. Deitou na cama e começou a pensar em todas as pessoas interessantes que passaram na sua vida. Ele se perguntou o que aconteceu à elas, o que andavam fazendo, se tinham casado, o que estudaram, se andavam ganhando dinheiro. Uma nostalgia se apoderou dele e ele achou que já era o bastante. 

Pegou a chave do carro, escolheu um dos seus CD's favoritos e começou a dirigir sem direção. Parou em um dos Cafés da cidade e começou a observar as pessoas, enquanto tentava soborear a bebida quente. Via os namorados, os amigos dando risadas, os solitários e tentava imaginar histórias para eles. Sentiu uma tristeza de repente. Foi ao banheiro e se olhou no espelho. Não conseguiu encontrar nada de errado com ele.

Um outro lugar talvez melhorasse o humor, ele pensou. Pagou a conta, voltou ao carro, e mais uma vez dirigiu sem destino. Mas, tudo parecia muito sem graça. Noite não tem cores. Pessoas, carros e lugares parecem o mesmo. E a música nas caixas de som também não ajudava. 

Pegou a primeira avenida que o levava direto para casa. Tudo o que ele queria era a familiariaridade de volta. Entrou no seu quarto e deitou na cama: o único lugar que, uma hora e meia atrás, não queria ficar. De repente, era o lugar mais confortável que já esteve. 

Chegou à conclusão que, no próximo fim de semana, iria sair com alguém.
Ou não....

André Marçal

Friday, March 12, 2010

Sorte

Não. Coisas como essa não acontecem com qualquer um. E não adianta tentar compreender. Muito menos, ainda, torcer por mim. Não existe razão nessa vida, essa é a grande verdade. É você quem enxerga tudo com olhos bem menos realistas agora. Mas, não te culpo.

É que você não tem noção de como você tem sorte. Encontrar amor de verdade, assim, como quem não está procurando. Etapas sendo respeitadas e tudo acontecendo naturalmente. São tão poucos os felizardos.

O resto de nós...bom, ficamos por aí tentando preencher essa necessidade de amar e ser amado com coisas sem importância. Com a tola esperança, sempre ela, de um dia encontrar ou ser encontrado. 


André Marçal



Monday, March 01, 2010

Bares

Seguimos com o carro pela cidade. O destino é ainda incerto. Última das preocupações,obviamente. Tudo não passa de uma desculpa para eu te mostrar as músicas da minha vida. Gosto de acreditar que gosto musical reflete personalidades alheias. Teoria que se confirma com você tendo as melhores das reações. 

Encontramos um bar de agrado. Você fica mexendo nas pedras de gelo da sua caipirinha. Eu fico mastigando por horas a cereja do meu sex on the beach. De repente, gente demais. Conversas exaltadas de um lado. Risadas exageradas de outra. Música ruim no alto falante perto de nós. Barulho em excesso e um silêncio na nossa mesa. 

Voltamos ao carro. Rimos do fato de termos ficado nem meia hora. Sugiro outro bar. Você responde ligando o som. Melhor do que qualquer lugar badalado da cidade é ouvir uma música com você. Melhor ainda é poder ouvir a sua risada. Beijar você e sentir o peso da sua cabeça encostado no meu ombro. 

André Marçal

Wednesday, February 24, 2010

No Celular

O dedo ali parado no botão de chamar. O nome no visor: o seu.
E tudo permance, assim, por alguns minutos inalterados.

Falar o que? Palavras parecem tão sem sentido, de repente. 

André Marçal

Friday, February 19, 2010

Do outro lado.

Ele pegou um avião e foi para o outro lado do mundo. Foi para onde tudo era diferente: o dia era noite; carros andavam na direção errada; o sol brilhava mais forte; estranhos na rua eram gentis e as praias eram tão frias que ninguém dava um mergulho.

Por causa disso, ele tinha certeza que sua vida, também, seria diferente. Achou que a mordaça que o impedia de falar e ser ouvido seria desfeita. Que as correntes que ele arrastava seriam quebradas. Que seria livre de uma forma que ele jamais havia experimentado.

Ele descobriu da pior forma possível que isso não é nem remotamente simples quanto ele pensava. Liberdade é algo misterioso. O mais patético de tudo é que ele já sabia disso. Tinha consciência de que problemas e inadequações vão junto com a bagagem de mão. Fazem check in permanente na nossa vida. 

"Sabedoria popular tem um fundo de verdade mesmo. E os clichês dessa vida não soam como tais quando você se vê no meio de um deles", pensou ele, um dia, entre capuccinos e leituras edificantes.  É tudo uma questão de experiência. Você só tem certeza vivenciando.

Ele achou graça. Estar a dez mil quilômetros longe de casa e finalmente perceber que a única diferença substancial é o cenário. E que talvez o único lugar que ele deveria voltar é justamente aquele que ele deixou para trás.

E ele se perguntou, enquanto bebia o último gole de cappuccino, se algum dia ele iria encontrar um lugar que ele poderia chamar de seu e se sentir completamente confortável.

Até lá, entretanto, ele vai continuar procurando. Procurando.... 



André Marçal.

Tuesday, February 09, 2010

Sorrisos e Reflexões

Você acusa que tudo foi culpa minha. Eu te fiz sorrir em todos os momentos, mas fui sério nos assuntos da vida. Filosofamos e rimos na medida certa. Fui educado, te dei carona e ainda mostrei um pouco da trilha sonora da minha vida. 

Me diz depois que queria me beijar logo ali no carro, mas meu olhar te desencorajou. Alguma coisa te disse que eu não estava mais interessado. E é verdade. Mistérios para os quais não existem explicações. Pessoas te atraem por razões diferentes, e se nada aconteceu não é demérito de nehuma das partes envolvidas.

Agora você diz que sou irresponsável, e que não posso fazer isso com outras pessoas. Cativar e depois descatar. Eu só acho que você deveria passar mais tempo com gente que te valorize. Pois tratar semelhantes com o mínimo de dignidade não é pré-requisito nenhum para se apaixonar. 

Até lá, vou continuar andando por aí fazendo os outros sorrindo e refletindo quando necessário.

André Marçal.

Wednesday, January 27, 2010

Novidades

Seu entusiasmo transparece em cada centímetro do seu sorriso largo. Você me conta tudo: do seu trabalho novo, das suas transas, das pessoas diferentes e interessantes que você anda conhecendo,  dos seus planos para o futuro, das suas novas idéias e de como tudo parace caminhar em direção à sua felicidade. Te ouvindo assim, a sensação que tenho é de que as coisas dessa vida são tão simples. Muito simples, e quem complica tudo sou eu. 

E você me pergunta sobre as minhas novidades. O que ando fazendo por aí que tanto escrevo.


Mas...eu não quero estragar esse sorriso na minha frente. Não quero te incomodar com dramas pessoais e  muito menos ainda com essas minhas velhas inadequações. Logo você, que anda pulsando vida em todos os poros do seu corpo. Quero ficar te ouvindo e sentir essa energia que vem de você.


Depois te conto. Depois...agora, só quero ouvir mais. Quero desvendar esse seu segredo. Quero saber o que você faz para que tudo dê certo. Só então, será a minha vez. As minhas novidades. 

André Marçal

Friday, January 22, 2010

Woodynho

Tá! Faz muito tempo que eu não escrevo aqui... Acho que isso não tem tanta importância já que não tenho muitos leitores. Mas já que estou de férias, isolado numa cidade do interior de São Paulo dolorosamente desinteressante e o calor não me permite qualquer outra atividade - seja física ou intelectual - um pouco mais exigente, why not writing?


Bem, então vamos lá. Já que é minha nova estréia aqui vou começar falando de cinema. Nada mais cliché para quem escreve em blogues (nada pessoal, caros blogueiros de cinema, eu mesmo adoro isso). Assisti hoje no meu computador "Hannah and Her Sisters" do Woody Allen e não consigo expressar o meu choque! É absurdamente bom! Cada diálogo, cada personagem, cada cena. E a trilha sonora! Lindíssima! Woody Allen já é querido meu faz muito tempo. Aquela neurose gritante e sincera dele me fascina! Mas o que mais gosto nele é sua autoconsciência aguda e, às vezes me pego imaginando todo o processo pelo qual ele deve ter passado para chegar nesse ponto de autocrítica serena, a qual ele não tem nem mesmo vergonha de mostrar ao mundo (ou o orgulho próprio de maquia-la). Basta ler um de seus artigos ou entrevistas concedidas a grandes jornais como NYTimes para perceber o pouco caso que o nanico faz de si mesmo, e a visão dura (sem deixar de ser irônica) que ele tem de sua própria imagem. Ao ler, você encontrar palavras como "ser visualmente insignificante", "perturbado", "feio", "superficial", "João-ninguém", "inseguro"; todas elas saídas de sua própria boca. Você ainda poderá encontrar frases em que ele admite ter ficado inseguro ao trabalhar com alguma das lindas atrizes que viraram suas musas, como Diane Keaton, Scarlet Jonhanson e assim vai; ou poderá ainda vê-lo confessar que muitas de suas cenas não foram planejadas, e na verdade ocorreram por acaso ou sorte.




Eu particularmente acho que o Woody (amigo de longa data) é, na maioria das vezes, muito duro consigo mesmo, isso para não dizer "defensivo". Na minha opinião ele tem uma fisionomia única, além de extremamente simpática e verdadeiramente impactante. Quem viu o Woody Allen uma vez, seja em foto ou ao vivo, não esquece sua pequena e desengonçada figura nunca mais. O fato de ele ser assim, pequeno, fora dos padrões de beleza semi-nazistas do mundo contemporâneo, só facilita o apreço do público por sua imagem. Claro que a isso se soma seu talento absurdo para o cinema! Basta para ver um filme dele em que ele mesmo atua (ou faça um papel importante) para entender o que estou dizendo! Em "Hannah e Suas Irmãs", ele atua no papel mais interessante e indentificável da estória, é o personagem que tira mais gargalhados dentre todos, e sem precisar de muito esforço. Não que os outros atores sejam ruins, muito pelo contrário, mas quando ELE aparece a experiência é única e inigualável. É o cara neurótico, loser, cheio de dúvidas existenciais, fraco, medíocre, azarado, feio, mas que vive com todo esse peso de realidade com aquela autoconsciência invejável que permite a autoironia. Por isso também ele é o ser humano mais inteligente e mais bem sucedido de todos na estória. É essa ironia que faz com que o público estabeleça a conexão afetiva com ele, pois todo mundo já se sentiu loser assim, mas poucos de nós losers sabemos como lidar com isso de maneira decente. Só sabemos ficar desesperados e nos afundarmos num oceâno patético de autopiedade. É essa lição que o Woody Allen nos ensina. Ele nos dá esperança ao mostrar que é bem mais sensato lidar com os problemas com humor e sarcasmo. Isso não deixa de ser um tipo de masoquismo, mas é um masoquismo que provoca riso e serenidade, não lágrimas e desespero.







Em falar em Woody Allen, tenho que dizer que adorei o livro + ou - novo de entrevistas com ele que saiu da Cosac Naif! É realmente bom! E acho emocionante uma parte do livro em que, quando perguntado se tem uma técnica exclusiva para criar seus filmes, ele responde dizendo: "Não... faço por intuição". Há! Isso ele com certeza aprendeu com o Bergman, que ele venera. E já que mencionei o Bergman, estou fazendo uma transcrição e tradução de uma palestra/aula que ele deu na AFI há um tempão atrás, e que foi gravada em Audio. Se der ainda coloco um pedação dela aqui no blog já em portuga, talvez no início da próxima semana. O Bergman é muito engraçado, aliás, ao contrário do que eu imaginava. Sempre o imaginei meio turrão, humilhando os atores e dando voadoras no cenário quando uma cena desse errado... Ele faz várias piadinhas e tem um inglês terrível, que dá até dor de ouvido! Mas ele não precisava saber inglês; isso é pra nós, reles mortais.

P. E. V.

Inverso

Te dou um abraço de despedida. Entro no carro, ligo o som e algo meio melancólico sai das caixas. Dirijo por aí sem prestar muita atenção, e quando me dou conta, já estou na garagem de casa. Entro no quarto e ligo imediatamento o ventilador. Temperatura mais alta do que de costume.

Mas não consigo dormir por causa do calor. É porquê não consigo parar de pensar em você. E fico me perguntando se você me deu um abraço, ligou o seu carro, ouviu uma música alegre, dirigiu sem dificuldades, chegou em casa, deitou na sua cama, não pensou em mim e foi dormir sem problemas.

Provavelmente, sim.

André Marçal

Tuesday, January 19, 2010

Visita

Você vem pra minha cidade, assim, como quem não quer nada. Me fala que quer ver coisas diferentes, sentir uma outra brisa no rosto, assistir o vai-e-vem de carros e pessoas desconhecidas. Mas, eu sei muito bem a razão da visita. Tento disfarçar tudo no longo papo, entre cafés gelados e crepes deliciosos. Percebo o seu olhar estudando todo o meu rosto, os meus gestos. Dava pra quase ver o seu raciocínio trabalhando em análises das mais profundas sobre todas as coisas que eu dizia.

Você veio por minha causa.

Logo eu...E você com todas essas expectativas sobre mim, sobre o que eu poderia fazer. Você achou que eu seria uma alegria em coisas sem graça. Um norte em caminhos perdidos. Uma esperança quando tudo parecia um tanto sem sentido.

Mas, a grande verdade é que eu mesmo nem sei por quais caminhos eu ando. Muito menos ainda saberia dar direções. Muitas vezes, tenho dificuldade em encontar sentido e diversão em coisas das mais mundanas.

Foi tudo precaução. Isso porque se apaixonar por mim é algo perigoso. Não queria te arrastar em algo que não traria nada do que você esperava. Sentido de preservação.

Queria que você tivesse conseguido compreender. Sou pessoa de sutilezas. O grande problema é que generalizo, e penso que todos são dessa mesma forma. E espero que alguém mais capacitado do que eu possa te guiar por caminhos que você sempre quis seguir. E que de preferência sejam na sua cidade, só pra te poupar todo o trabalho de visitas.

André Marçal





Tuesday, January 12, 2010

Violão


Ele pegava o violão e ensaiava uns acordes. Músicas dos outros não o interessavam muito. Nem as dos seus ídolos e muito menos as da moda.

O que ele queria era poder tocas as suas próprias. Queria que a música fosse sua língua. Os versos, a sua voz. A melodia, os seus sentimentos.

Mas...isso o frustrava. Ele não sabia tocar muito bem. Ficava sempre impressionado como os grandes compositores conseguiam expressar exatamente aquilo que ele sentia. Como se ele mesmo houvesse escrito aquelas linhas, e dedilhado aquelas notas musicais.

E o que ele mais desejava era exatamente isso. Que sua revolta virasse uma música de protesto. Que sua visão de mundo se transformasse em hino. Tristeza, em melodias tristes. E que sua canção de amor fosse declaração de amor. Que tudo se transformasse música. Sempre.

André Marçal

Thursday, January 07, 2010

Diálogos

Você me pergunta por que nunca encontro alguém; por que essa insistência em uma liberdade que não me traz nada além de sofrimento.
Te falo sobre esse meu desassossego; essa vontade de querer fazer mil coisas ao mesmo tempo...se amor é caminho para a felicidade ou justamente o contrário.
Você me responde que tudo isso não passa de desculpas. Que eu sou um tanto narcisista, muito satisfeito comigo mesmo. E que não tenho alguém porque acho que ninguém jamais vai ser suficientemente bom pra mim.

Fico pensando por mais de um ano, e não consigo encontrar uma tréplica pra isso.

Friday, January 01, 2010

Discurso

Te contava sobre as coisas da vida. Falava como as pessoas vão e vem, mas apenas algumas ficam na nossa memória. E no meio de uma frase importante, você me intorrompe, apertando o meu nariz. Acho tudo muito estranho, mas você me pede desculpas, dizendo que não resistiu.
Continuo meu raciocínio. É importante que eu termine. Você finge interesse, me dando um sorriso malicioso. De repente, você põe a sua mão no meu rosto. Até tento terminar o que eu tentava dizer há mais de dez minutos...mas aí nossas bocas já estavam ocupadas.

Nem ligo. Não aguentava mais os meus discursos mesmo.


André Marçal