Thursday, March 18, 2010

Estranha familiaridade

Ela não tinha problemas com momentos pós sexo. Conseguia conversar sobre qualquer coisa, por mais irrelevante e desconexa que fosse. Silêncio não a incomodava. Podia ficar ali só olhando os corpos cansados, peitos arfantes. Sem problemas se a abraçassem de lado, encaixassem o pescoço no ombro dela enquanto acariciavam seus cabelos. Um "te amo" susurrado no ouvido e tudo fazia sentido. 

Mas, hoje não. Era tudo diferente. O corpo ofegante do lado era estranho a ela. Não teria o que conversar nesse momento, e cafuné em seu cabelo seria algo do mais constrangedor. Tentou permanecer em silêncio. Trinta segundos depois, se levantou, vestiu a primeira peça de roupa que encontrou e foi para o banheiro. 

Ficou se encarando no espelho sem saber muito bem o que procurar. De repente, sentiu-se estranha em sua própria casa. Um sentimento novo o qual ela não estava gostando. "Isso nunca aconteceria se fosse com...", mas interrompeu o pensamento. Pensar nele agora só dificultaria ainda mais. 

Ouviu o barulho da janela se abrindo e o inconfundível abre-fecha de um isqueiro. Antes que o inevitável acontecesse, ela abriu a porta do banheiro e entrou no quarto. Encontrou ele quase vestido e com o cigarro na mão. Tentou fazer um cara impassível e esperou. 

"Eu ia te perguntar se podia fumar aqui, mas você foi para o banheiro...", tentou justificar ele.
"Eu não fumo", foi tudo o que ela conseguiu dizer. Encarou aquele corpo semi desnudo mais uma vez e achou tudo estranho. Não conseguiu evitar o desejo. O outro. Aquele outro corpo que era tão familiar a ela. Sabia quase de cor.
"Desculpa, então". Jogou o cigarro pela janela mesmo. Foi até a cama e vestiu a camisa. Pegou os sapatos e emendou: "Eu tenho que ir. Tenho que ir mesmo".
"Tudo bem...", ela respondeu e tentou sorrir.
  
"Eu te ligo depois", disse enquanto colocava o cinto. "Você me deu seu celular, não?"
"Acho que sim...".
Ele não checou.
"Certo, então. Eu te ligo".
"Claro..." ela disse, mas não queria que ele ligasse.
Ele se aproximou dela para se despedir. Tentou dar um beijo, mas desistiu no meio do caminho. 
"Tchau, então".
Ela o encarou mais uma vez. "Até um dia...", foi tudo o que conseguiu dizer.
"Até", ele respondeu e foi embora sem olhar para trás. Ela não precisou acompanhá-lo até a porta.

Ela ficou sozinha no quarto. Deitou na cama mais uma vez. Como tudo nessa noite, o cheiro impregnado em  todos os cantos era estranho. 

Não mais estranho, obviamente, que esse sentimento. E ela não sabia mais o que fazer. A única solução que conseguia enxergar era dormir. Amanhã ela iria tentar de novo. Iria, a todo custo, tentar encontrar a familiriadade novamente. Sempre.

André Marçal

1 comment:

Anonymous said...

AMEI...você conseguiu entrar na alma de uma mulher...
É sempre tão estranho isso...
Buscar familiaridade em estranhos é o que mais dói...porque no final só resta o vazio.
E ninguém nunca, nunca é igual, aliás é sempre o oposto...
A frieza depois queima, machuca tudo fica realmente muito estranho...
Lindo, de verdade...