Wednesday, December 30, 2009

Inveja

Não é que eu tenha raiva de você, ou te deseje mal. Muito pelo contrário. Quando meu pensamento muda pra você nos meus momentos de introspecção, me pego feliz por todas as coisas que você está passando. Sim, eu ainda penso em você.

E não estranhe se eu não ligar ou mandar um e-mail pedindo notícias suas. Não é que eu não queira saber...porque eu quero...você não tem idéia do quanto eu quero. Mas, saber que você é mais feliz do que poderia ser comigo pode ser demais.

Acho que tudo se resume a inveja. Mas, não se preocupe, não é a do tipo ruim. É sempre essa constante. Essa sensação contínua de que você está vivendo todas essas coisas, e eu não. De que você está dando as risadas das mais gostosas, e eu não. De que você recebe carinho e olhares, e eu não. Alguém pra dividir a cama, e eu não.

Alguém pra ser feliz ao lado...e eu não.


André Marçal

Wednesday, December 23, 2009

Diálogos

De assalto, entre nossos pés enfiados na areia, sol brilhando, refletindo naquela água tão azul e ao som das ondas quebrando na praia, você me pede que eu conte uma história de amor.

Eu te digo que só tenho histórias inacabadas...e não te conto nada.

Seguimos assistindo o vai-e-vem das ondas, em silêncio.


André Marçal

Monday, December 14, 2009

Despedida


Você não sabe quantas vezes eu percorri aquela avenida. Ia e voltava, pensando no que te dizer. Tentava montar um discurso na minha cabeça enquanto observava todas aquelas pessoas tão diferentes, carros, lojas, Cafés...Eu não sabia, mas isso já era uma espécie de despedida, pelo menos para mim.

Eu queria escolher bem as palavras. Queria usar aquelas que não te comprometessem tanto. Mesmo que fosse a última vez que fôssemos nos ver, as coisas poderiam mudar no instante final. E confesso a você que tive receio de que isso acontecesse.

Eu sabia ler o seu olhar. Às vezes, ele me mostrava seu interesse. Outras, o seu desconforto. Me desculpe por isso. Mas é que tenho a mania de tentar encontrar significados apenas em olhares. E o seu indicava os dois.

Por isso, dava voltas naquela rua. Por esse mesmo motivo, fiquei plantado na frente do prédio. Na dúvida...sempre nela...não subi. Não falei nada. Fiz o caminho de volta, caminhei na direção mais oposta possível de você, e colecionei mais uma oportunidade perdida nessa vida.

Mas, baby, essa vida não é feita de oportunidades perdidas e desperdiçadas?

André Marçal

Tuesday, November 24, 2009

Café e Chocolate

A primeira vez que eu te beijei, você tinha gosto de café. Te vi sentada naquele banco, e você me olhou. Ao invés de desviar o olhar, como minha timidez sempre determina, dessa vez fixei meus olhos nos seus. Não sei por quê. Devo ter visto alguma coisa diferente nesses seus olhos azuis. Você sorriu pra mim, levantou,veio na minha direção e sentou do meu lado. De perto, o sorriso era ainda mais bonito, e fiquei completamente sem defesas ali mesmo. Num súbito de coragem, te convidei pra tomar um cappuccino em um Café perto daquele parque. Lá dentro, você elogiou meu cabelo. Eu disse que suas mãos eram pequenas demais se comparadas às minhas. Você me disse que eu devia ler menos e prestar mais atenção às pessoas em volta. E aquele sorriso sempre tão perto de mim. Não resisti.

A segunda vez que eu te beijei, você tinha gosto de chocolate. Você tentava fugir da minha câmera, dando a desculpa de que não era fotogênica, e começou a fazer o discurso de que as melhores fotos são aquelas que ficam na nossa cabeça. Eu nem dei atenção. Eu só queria um registro desse segundo momento que podia ser nosso último. Você me deu as costas e começou a caminhar sem direção. Fui atrás e fiquei vendo o movimento do seu cabelo ao bater nos seus ombros. Foi aí que eu roubei o primeiro beijo da minha vida. Só fui notar o papel do embrulho do seu chocolate preferido no chão, duas horas depois, quando você foi embora, me deixando com promessas de visitas e futuros contatos. Eu sabia que você não ia fazer nada disso.

Fiquei só com fotos tremidas e embaçadas. Uma delas, no entanto, parecia você.

André Marçal.

Friday, November 20, 2009

Fotos - Parte 2


Vivo minha vida por fotos. Não porquê gosto, mas por não ter outra opção. Nos momentos em que o tédio e o ostracismo são tão reais que quase se transformam em algo sólido, as fotos te fazem lembrar o que é, de fato, a realidade. A beleza do que é real, do toque, dos diálogos, da brisa em seu rosto, do verde das paisagens.

Você quase sente o cheiro das coisas. Dá para quase ouvir as vozes das pessoas. Um mini teletransporte para as melhores ocasiões da sua vida.

Pois viver é exatamente isso: compartilhar sua felicidade com quem você mais gosta. O resto da sua vida...bom...o resto é tudo mecânico, automático, impessoal. Mesmo que seja oitenta por cento de toda sua existência. E ninguém precisa de foto para essas coisas.

André Marçal.

Tuesday, November 10, 2009

Diálogos

Você disse que eu não devia me preocupar tanto assim. Só porque você ia embora não significava que eu não iria conhecer mais pessoas.

Eu disse que era verdade, sim. Provavelmente eu iria conhecer mais dezenas de pessoas. Mas, essas pessoas não são você. E isso faz toda a diferença.

Wednesday, October 28, 2009

Fotos - Parte 1


Eu até tento, mas não consigo evitar. Sempre me pego vendo fotos. Mais especificamente, fotos em que você aparece. Vou pulando rapidamente aquelas que não me interessam, até achar uma em que você está. E, de repente, as coisas parecem ter sentido. Tudo se torna mais tranquilo, e o que parecia ser entediante se transforma no mais interessante.


Começo a sentir uma mistura de nostalgia e arrependimento, imediatamente seguida por uma frustração. Imagino você ainda por perto, e eu dizendo tudo aquilo que eu não disse. Imagino o seu sorriso de surpresa. Imagino nós dois em todos os lugares novamente. Imagino os nossos planos. Imagino momentos de paz de espírito.

Então, é hora de guardar as fotos.
E tudo volta ao normal...até o momento em que eu me pegar vendo fotos novamente. Suas fotos, especificamente...

André Marçal

Saturday, October 24, 2009

Realidade ficcional


Ele era do tipo que ensaiava algumas histórias. Pegava a caneta, abria o caderno e tentava preencher as linhas com alguma coisa que fosse relativamente interessante.

Era um apaixonado por ficção. Ele admirava todos os que conseguiam deixar o enredo tão interessante, a ponto de negligenciar todos os aspectos da vida só para saber o que vai acontecer em seguida.

Ele não via tanta graça na realidade. Tanto na do mundo e, principalmente, na sua própria. Tudo parecia tão mais interessante e intenso na realidade ficcionada! Mais cores, mais música, mais paixão...Na vida real, tudo em preto e branco, silencioso, sem amor...

Um dia, disseram a ele que a solução para isso era escrever exatamente sobre aquilo que ele não vivia. Viver a vida através das histórias. Ou ainda: contar aquilo que ele viveu e melhorar através da escrita.

E o melhor disso tudo era que ninguém jamais saberia a verdade. Ninguém conseguiria enxergar o limite entre a verdade e a ficção. Só ele. E, se a vida parecia não ter mistérios, esse seria o dele.

Só dele.


André Marçal

Friday, October 16, 2009

Desentendimentos

Certa vez disseram que ele deveria ser sempre verdadeiro. Sempre que possível, ele deveria dar opiniões sinceras sobre qualquer assunto. E se perguntassem sobre o que ele mais amava, ele deveria responder com o maior dos entusiasmos. Porque amor deveria ser contagioso. Deveria inspirar as pessoas. Amor teria que ser compartilhado, não?

Mas...quanto mais ele vivia, mais ele percebia que amor era algo em falta. Ao que parecia, as pessoas não amavam nada. O que existia era uma confusão. Era amor disfarçado de carência, falta de auto-estima. Algo momentâneo.

E que se mostrar verdadeiramente era campo propício para desentedimentos e incompreensões.

Ele leu em um livro: "There is, he thought, so little love in the world". E ele concordou.

André Marçal

Friday, October 09, 2009

Rasante



De repente, ele se dá conta que existem dois tipos de pessoas: aquelas que, por alguma razão incompreensível, tudo gira ao redor e que são capazes de fazer tudo do mais incrível acontecer; e aquelas que são exatamente o oposto.

E, por mais que ele negasse, por mais que ele tentasse esconder (principalmente de si mesmo), chega um momento na vida de todos que negação é um luxo, pois o tempo passa rápido, e a juventude vai indo embora mais depressa do que se espera.

Ele pertencia ao último grupo de pessoas.

Mais do que isso, ele percebe exatamente o tipo de pessoa que ele é. Idealizações são infantis, e embora a realidade possa parecer dura no começo, ele consegue notar uma certa liberdade nisso tudo.

Sem mais falsas esperanças. Sem mais expectativas exageradas. Tudo o que resta a ele, agora, é uma vida em que a beleza se encontra apenas naquilo que ele é capaz.

Um voô com as suas próprias asas, mesmo que seja apenas rasante.

André Marçal

Saturday, September 19, 2009

Qual segredo?


Ele observava a atitude de todos. Gostava particularmente de analisar as atitudes perante a vida daqueles que ele mais admirava. Ele esperava aprender alguma coisa valiosa dessas pessoas. Queria entender como é que elas conseguiam fazer tudo aquilo que elas sempre desejavam sem obstáculo algum, sem auto-sabotagem alguma, sem dificuldades auto-impostas. Porque ele não tinha mais idéia de como ser assim. Já andava cansado das tentativas, todas mal-sucedidas, de ser exatamente dessa forma: um verdadeiro explorador da vida. Destemido e totalmente determinado. Mas, sempre existia alguma coisa...algo misterioso que o impedia. E ele queria descobrir qual era o segredo.

Ele buscava, então, em todas essas pessoas que eram o oposto exato dele.
Ás vezes, ele quase chegava a uma conclusão definitiva. Pensava que, em muitas coisas dessa vida, simplesmenta não havia sentido algum. As coisas são porque são. Nada mais do que isso. Talvez essas pessoas não tenham tantas idealizações românticas sobre tudo, e consigam enxergar uma certa beleza nas coisas mais simples da vida.

E talvez ele fosse explorador, sim. Nem sempre dos mistérios da vida, como ele sempre desejou. Mas, da alma. E quem sabe alguém também o observasse, tentando aprender alguma coisa...?

André Marçal

Wednesday, September 16, 2009

Um diálogo

Você me disse que eu era um cara especial, e que queria muito que eu encontrasse alguém.

Eu disse que esse alguém poderia muito bem ser você.

Você mudou de assunto, e nunca respondeu...



André Marçal

Friday, September 11, 2009

Erase and Rewind


Acho que gostei de você desde a primeira vez que te vi entrando por aquela porta. Lembro dos seus olhos azuis...eram tão grandes! Nunca tinha visto desse tamanho. Te olhava de lado, tentando disfarçar. Fingia tentar enxergar alguma coisa invisível na parede, mas era você que eu queria olhar.

Tímido em demasia, me surpreendi quando você veio falar comigo. Ainda mais impressionante foi perceber como era fácil conversar com você, e como me senti confortável ao seu lado. E em uma semana de convivência, pude perceber que se tratava de uma pessoa especial. Toda a sua atenção, gentileza, curiosidade. É estranho como em tão pouco tempo uma única pessoa pode ter tanto significado em sua vida.

Eu tentava me enganar. Tentava racionalizar. Mas, quando você ficou fora por três dias, não havia mais saída. Eu havia me apaixonado, e não adiantava culpar os sentimentos e pensamentos ambíguos como eu sempre costumava fazer. Uma coisa é sentir falta de alguém. Outra completamente diferente é desejar que ela esteja ao seu lado em quase todos os momentos, nem que seja pra compartilhar aqueles dos mais sem importância. Porque com você sempre foi assim: acontecimentos dos mais banais se transformavam em aventuras memoráveis. Por isso, até hoje sinto tanto a sua falta.

Minha auto-suficiência (ah, sempre ela) não me deixou que você soubesse disso tudo, apenas metade. E agora que você foi embora de vez é que fui compreender a dimensão de tudo.


É triste só se dar conta da importância de alguém quando ela vai embora...É ainda pior perceber a sua própria impotência em relação ao tempo: não existe volta, nem mesmo um dia a mais pra que tudo fosse diferente...



André Marçal.

Monday, July 06, 2009

Embora


Ele vai embora
Esperando por algo extraordinário acontecer
Ele vai embora
Mesmo não sabendo muito bem por quê

Ele vai embora
E nenhum coração partido
Nenhum beijo apaixonado de despedida
Nenhuma mão na janela estendida

Ele vai embora
Procurando alguma coisa a ser
Ele vai embora
Ter alguma coisa a merecer

Ele vai embora...
Sonhos a realizar
Felicidade a encontrar

Embora...




Wednesday, May 20, 2009

Ela

Ela queria amar, mas que fosse algo de verdade. Amor mesmo, daqueles que ela lia nos romances da Jane Austen. Não as coisas superficiais que ela já havia tido experiência: amor de plástico, ela dizia. Não as juras de amor ensaiadas; não a obrigatoriedade de ficar ao lado da pessoa; não mais a mesma dúvida se é esse ou não o que ela gostaria de estar. Ela queria experimentar a plenitude do sexo. Não mais aquela insatisfação com os rapazes que ela já havia tido experiência. Talvez com alguém que se amasse, de fato, fosse diferente.

Queria tudo isso e mais. Coisas que nem sabia expressar direito. Só sabia que queria.

Mas...havia algo que a impedia. Podia desconhecer os caminhos para amar, mas a única coisa a que tinha certeza era que a dor e a mágoa poderiam ser maiores do que ela. Maior do que poderia suportar. Amar alguém e perder a pessoa. Amar alguém e não ser correspondido.

Mas sabia, também, que uma vida sem uma história de amor não era vida. E, enquanto isso, ela seguia com a única certeza que tinha: queria amar.


André Marçal

Sunday, February 15, 2009

Pertencer




Daí você cresce e amadurece um tanto mais rápido do que esperava. E, apesar das evidentes vantagens de todo esse complicado processo, de alguma forma as desvantagens acabam se destacando.

Daí, você vai ao mais novo lugar badalado da cidade, e não consegue conter uma sensação das mais estranhas: de que, de repente, alí não é muito o seu lugar. Tudo soa tão esquisito, fora do lugar, meio caótico...alguma coisa ali não faz muito sentido. Talvez seja a música que não te agrade tanto; ou o esforço troiano de se fazer ouvido; ou as pessoas que não são lá das mais interessantes. A coisa mais evidente que você consegue perceber é um sabor de artificialidade pairando no ar. Tudo parece ser um grande desfile de moda. As pessoas se comportam como se estivessem naqueles comerciais infames de cerveja. Ou em um clip de Hip Hop. E, apesar do esforço, você não consegue se divertir.

Daí você entende a razão pela qual as suas fotos não têm tantas pessoas reunidas. E porque seu celular só toca quando o despertador dispara.

A velha questão volta a rondar a sua cabeça: até que ponto a qualidade se sobrepõe à quantidade?

André Marçal

Thursday, February 05, 2009

Todos os lugares

Ando cansado de te ver em todos os lugares. Cansado de ver seu rosto, ao longe, em todas as que são parecidas com você. Cansado de ver seu cabelo caindo em ombros que não são os seus. Cansado dessa sensação que mistura excitação e frustração em um milésimo de segundo, quando percebo que não é você.

Cansado do impulso de te ligar de repente, só para ver sua reação. Cansado de ponderar entre sair por aí te procurando ou deixar as coisas como estão. Cansado de me pegar desejando esbarrar com você em todos os lugares que eu vou.

Cansado de pensar em você.
Em saber que não superei nada em relação a nós dois.


André Marçal.

Monday, February 02, 2009

Especial

Ele saía pelas ruas sozinho sem destino aparente. Gostava de perceber um certo caos que controlava todas as coisas: o semáforo mandando em todos os carros; os vendedores chamando a atenção dos pedestres para os seus produtos; os pássaros alçando voôs ligeiros por causa da pressa das pessoas...Ele gostava de observar tudo, tentando não passar nenhum detalhe desapercebido.

Ele gostava de fazer suas refeições sozinho. Apreciava a forma como as pessoas interagiam umas com as outras. A mãe cuidando dos filhos. Os irmãos brigando por um motivo fútil. Amigos jogando conversa fora. Gostava particularmente de ver os namorados trocando beijos apaixonados; discutindo o que ele imaginava ser planos para o futuro ou juras de amor eterno.

Mas, era particularmente nessas horas que ele começava a sentir uma certa inquietude, um princípio de tristeza...uma certa melancolia o abatia, e parecia que a esperança havia fugido sem deixar vestígios. Ele tentava buscar dentro de si explicacões para suas atitudes misteriosas, as quais o deixavam sempre a margem de todas essas pessoas. Parecia a ele que nunca o seu momento chegaria. Nunca deixaria de observar e seria observado ao invés.

E ele pensava em todas as coisas em que ele suspeitava ser especial, diferente. Naquilo que o distinguiria de todas as outras que ele tanto observava. Ele pensava em todas as fotos que tirava por suas andanças por esse mundo, mas não conseguia deixar de achar todas medíocres. Pensava em todas as coisas que escrevia, mas nenhuma o agradava. Pensava em todos os filmes maravilhosos que assistiu, mas se se sentia triste por ser incapaz de escrever algo semelhante. Pensava em todas as músicas que eram o seu vício saudável, e se frustrava por ter quase certeza de que esse não era um de seus talentos.

Ele sabia que se existia uma verdade incontestável nessa vida, era a de que, invariavelmente, alguém era sempre melhor de que ele.
Ele sabia sobre a outra verdade, mas ainda era cego à ela...já o haviam alertado, mas ele ainda não conseguia enxergar o especial no que há de mais banal nessa vida.

Enquanto isso, ele saía por aí, observando....

André Marçal

Monday, January 26, 2009

Disco Furado


É como aqueles velhos LP's arranhados. A minha vida anda parecendo um disco furado. As mesmas músicas de sempre, os mesmos filmes de sempre, os mesmos papos de sempre, mesmas pessoas, mesmos problemas, mesmas insatisfações, mesmas impossibilidades de mudanças, mesmas inabiliades sociais, mesmos desejos, mesmas fantasias, problemas, salário, caminhos, ônibus, exercícios físicos, corpo, cabelo, espelhos, trabalho, shoppings, parques, cidades, viagens, fugas...

Mesmos posts de sempre.

O disco pode ser diferente. O som anima e, por alguns momentos, tudo é novo e excitante. Mas, vem a agulha se encontrar com o arranhado, e tudo é repetição de novo. Mesmas músicas, mesmos papos, pessoas, problemas....


André Marçal

Friday, January 09, 2009

Erro

A primeira decisão substancial de sua vida e você se sente orgulhoso, finalmente. Mas, não consegue evitar aquele sentimento tão familiar quanto um velho amigo de que, talvez, tenha demorado um pouco demais. Afinal, apesar de todos ainda te chamarem de garoto e sua aparência ainda ser jovial, a realidade é que os anos insistem em passar rápido demais para o seu gosto. E não existe nada que você possa fazer para impedir isso. Lamentar-se já se tornou um tanto cansativo e inútil. Por isso, pela primeira vez, você age de forma impulsiva e inconsequente.

E é bom. Você se sente bem. De alguma forma, a sensação é de que existe uma saída para o labirinto de sua vida. O túnel não é tão escuro assim. É claro que existe a grande possibilidade de nada dar certo; de que absolutamente nada do que você imagine acontecer de fato aconteça; de que as coisas continuem da mesma forma, e que apenas o cenário mude.

Pessoas podem acusar que tudo não passa de fuga. Você prefere acreditar que seja estilo de vida diferente e mais experiência de vida. De qualquer forma, o que quer que aconteça, pelo menos você poderá falar que erro foi seu. Você cometeu sozinho. E vai ser isso que você vai contar para todo mundo na volta: aonde errou.

E quantas pessoas não têm ao menos coragem de errar?



André Marçal


Sunday, January 04, 2009

Nunca é Tarde Demais


- Vê se vá comer lá fora! - dizia a minha mãe farfalhando seu vestido ao andar e logo depois batia a porta atrás de mim. Eu ouvira sua voz berrando pra mim enquanto descia a escada, mas somente seu som abafado e fugaz. Eu estava deliciado demais com o cheiro do doce derretendo sobre minhas mãos salpicadas de terra. Eu pressentia, eu sabia que aquele era um momento memorável, lá no fundo eu sabia, ainda que naquela hora eu não desse maior crédito a tudo.
O cheiro era bom demais! Lucinha fazendo uma bolota de terra, a luz do sol minguando lilás lá longe, mosquitos movendo-se tontos sobre os nossos olhares cansados. Nós nos entreolhamos por um brevíssimo momento para voltarmos nossa atenção para o doce. Lucinha largou de pronto a terra e os brinquedos, limpando com muita feminilidade seus dedos sobre o vestido curto. Agora só pensávamos em devorar ferozmente aquele doce. Só de olhá-lo podiamos ouvir nosso estômago pescando o prazer da fartura. Éramos levados por nosso instinto animal. Para duas crianças pobres e caipiras nós até que podíamos dizer que tínhamos o necessário: o desejo, os sonhos, a indiferença infantil com o mundo e é claro, um amplo e misterioso banquete chamado "vida" - e tão gostoso que ele era que apesar das nossas apostas de corrida de bicicleta, escaladas em abacateiros e conflitos internos sobre a difícil decisão de espetar ou não aquele cacho de abelhas, pareciam percorrer rápido demais as vinte e quatro horas do dia. E no final de tudo, a nossa trágica e dramática relutância de ir para a cama era completamente esquecida com um simples beijo de boa noite na testa.



Mas eu estava lá, ao pé da escada, vislumbrado com o doce na minha mão. Contrariado, acabei dividindo o doce com Lucinha, que comeu tudo em um único segundo, preferindo descobrir o sabor pelos restos de sebo que lambeu dos dedos. Eu não, eu decidi comer bem devagar. Pra começar, coloquei a ponta da língua. Ainda estava tão quente que fiquei assustado ao pensar que minha irmã poderia estar queimando por dentro enquanto a metade dela descia goela abaixo, quando na verdade não aparentava nehuma amostra de sofrimento. Meus dedos calejados de moleque pareciam não ser tão frágeis quanto os órgãos inferiores. Decidi então dar-lhe uma esfriada. Eu sacodia a barra pelo vento enquanto sentia seu aroma se espalhar no ar e ser sugado por todos os poros do meu corpo, até que se arrepiassem os meus cabelos da nuca.



- Você não vai comer não? - Disse Lucinha pendendo a cabeça para esquerda e levantando os olhos com desdém. - Tá muito quente... - Disse eu, distraído e pensando na burrice de minha irmã em ter comido tudo de uma vez.



Cansado de sacudir pra lá e pra cá, decidi encostar o doce na ponta dos lábios. Salivei. Mas ainda estava quente. Aquilo me deixou irado. Fiquei automaticamente vermelho, não só porque queimara os lábios, mas pela humilhação de ouvir a gargalhada histérica de Lucinha, que apontava pra mim, como se eu fosse um frangote. Na revolta de ter sido humilhado por um doce e uma pirralha, e ainda com o orgulho ferido de ser menos resistente que uma menina gulosa, decidi colocar tudo de uma vez na boca. A descrição do que veio depois é muito difícil.

Durante os dois primeiros segundos de doce na boca eu não senti nada. No terceiro senti que todo o seu aroma fora quebrantado pela saliva. Decidi comer então, mas aí veio o maior problema. O doce ainda estava tão quente que na minha tentativa de morder para sentir o gosto, acabei queimando a bochecha e a língua com a saída de seu líquido interno, o que me fez cuspir o doce na terra. Era o fim! Uma derrota para um rapazinho. Eu me recuperava da queimadura enquanto via Lucinha cair no chão completamente descontrolada de riso, se esperneando como se fosse um macaco louco. O doce estava no chão misturado à terra. Fiquei petrificado! Não acreditava que iria perder aquela oportunidade! O meu doce predileto - que minha mãe só fazia no dia de Natal, pois não tínhamos muito dinheiro para os ingredientes - estava cheio de terra. Olhei em volta e vi uma fileira de formigas saindo de baixo de uma folhinha de flor que carregavam e indo diretamente para o doce. Atrás de mim ouvi o Eistein, o cachorro capa preta do meu pai farejando e contornando a varanda em minha direção. Não podia deixar o doce se perder, mas ainda estava com a língua em chamas. Corri para a torneira que ficava por cima de um canteiro de flores, lavei a boca rapidamente e corri o máximo que pude, disputando o tempo com as formigas e com o capa preta do meu pai. Quando eu já estava a um metro do doce só pude ver cachinhos de cabelos castanhos voando sobre o meu rosto e roçando o meu nariz. Não eram meus, levei um empurrão e caí para trás, confuso. Lucinha havia chegado primeiro.

De uma só vez ela me mostrou a língua e comeu a barra inteira, pra depois lamber aqueles dedos sujos diante dos meus olhos. Numa mistura de ódio e horror, corri pra dentro da cozinha deixando um rastro de barro atrás de mim, e com lágrimas sobre meu rosto sujo implorei por um novo doce, quando mamãe virou com uma expressão severa e disse: - Nada disso! Você tem que começar a ser mais agradecido.

E então, foi lá, parado em pé de frente para a minha derrota. Parado de frente para o complô do destino contra mim, estupefato e impotente perante as duas razões da minha vida que, eu posso dizer, eu aprendi o que é ser homem.

Paulo E. Vasconcellos