Sunday, November 23, 2008

Nossas Fases


Acordei hoje de maneira diferente. Não foi pelas obrigações do dia, nem pelo despertador-celular. Não, hoje eu acordei vivo! Livre não só do profundo sono da noite, livre não só de sonhos-minuto, daqueles que duram o minuto necessário para que seja apagado pela memória quando se abrem os olhos e que de repente, sabe-se que sonhou, mas não o quê. Você deve estar se perguntando o que tem de tão raro nisso. Você deve estar me olhando com desdém. Mas você não sabe o que é ser vulnerável ao próprio espírito. Você não sabe o que é estar aprisionado dentro da própria alma e durante anos mal conseguir falar. Estive por tanto tempo concentrado no fundo de mim! É tão difícil, para alguém que vive no próprio estômago, digerir as turbulências do mundo!


Tenho que contar essa história. Passei anos sortido na timidez e podado por navalhas invisíveis. Travei batalhas contra os meus desejos em nome de minha própria reputação. E cego de mim mesmo (não vi meu reflexo no espelho), passei a me alimentar da visão dos outros sobre mim. E como resultado sombrio da equivocada refeição, passei eras sob o domínio de doutrinas macabras desse Deus de duas caras chamado "amor". Sob seu comando me despi e me embriaguei de corpo, até a última gota. E então, sedento e incompleto, tentei buscar mais e mais no fundo do poço. Porém, lá em baixo, só encontrei uma velha senhora chamada "ironia". Ela também tinha duas caras, uma delas era bem triste e a outra alegre. Mas ao que parecia elas gritavam a mesma palavra, de joelhos, como que suplicando: Verdade! Foi então que, cansado, decepcionado e confuso, dentei me machucar e acabar com tudo! Bati a minha cabeça contra as duas daquela pobre senhora, tudo de uma vez! E fez um eco. O eco espiritual que perdurou por todas as manhãs! Desde então só consegui acordar pelo eco, sonolento e abafado, que sugeria que um dia no passado eu havia vivido, e que agora, estar dormindo ou acordado, para mim, não fazia a menor diferença. Desde então só consegui acordar quando ficava com sono e tentava ir dormir.


Mas você poderia erguer a cabeça e me dizer que com você é diferente, que sonha todos os dias e lembra de todos os sonhos nos mínimos detalhes, e que além disso, tem o hálito das mais perfumosas rosas quando acorda e, ainda, que sua disposição matinal emerge como um foguete ao surgimento do primeiro raio de sol do dia. Você poderia dizer ainda que com o primeiro raio de sol a atravessar a cortina do quarto, toda a sua vida ganha sentido, e que você fica tão cheio de sentido e de vida que nem sequer os nota. Já basta para você, simplesmente acordar cantando e bombardeando o mundo com impressões rápidas e atenções certeiras. Porque para você não existe o silêncio da vulnerabilidade de ser. Você procura agir pelas bordas do seu corpo, dançar na direção do vento, gritar com força contra a maré sem necessidade, como se quisesse testar as forças da natureza; você pode fazer amor com a negligência ao futuro. Você sabe que não sabe e que é melhor assim. Você sabe que o conhecimento só é bom se puder ter forma, e que a forma só se torna agradável com a nostalgia. Como deve ser bom ser você e não querer ser outro alguém. Como deve ser bom ressoar de maneira diferente a cada dia que se passa. Mas hoje, hoje, eu sou você. E você?

Paulo E. Vasconcellos

3 comments:

Pollyana said...

Esbarrei no blog Le Magnifique por acaso. Mas não me contive ao impulso de comentar esse fantástico texto... Até parece que me vi fazendo a viagem de volta no meu caminho... Olhar para o futuro depois de ter se feito um retorno assim parece menos assustador... rssss
Bom, sinta-se convidado a visitar brincos.blogspot.com também... Não sei se tão Magnifique... Mas...

Anonymous said...

Eu sou você. Já fui um foguete, já fui a animação... hoje a ironia teima em me gritar, um só nome numa só risada lamuriosa!

Anonymous said...

Good article, good things, good feelings, good BLOG!