Sunday, March 06, 2011

Carta ao Destino

Caro Sr. Destino, 

Ando meio confuso. Tento ser essa pessoa melhor a cada dia. Trato os outros da mesma forma que eu gostaria que me tratassem. Tento, de todas as formas possíveis, gostar de coisas que me trazem benefícios. Exercito tanto o corpo quanto à mente. Não permito que meus preconceitos atrapalhem minha vida, e aceito as pessoas como elas são, com todas as suas imperfeições a serem trabalhadas (e suas incríveis perfeições que me oferecem). E o mais importante de tudo: tento aceitar, com todas as forças, minhas próprias limitações, exercitando a paciência para alcançar os meus objetivos  

No entanto...apesar de tudo isso, o que o Senhor me oferece é quase nada. Apenas possibilidades que nunca se concretizam, estradas que não levam a lugar algum, jornadas sem recompensas. E fico nesse estado de constante desesperança, sem entender coisa alguma. E chego a pensar que não é o Senhor o regente de nossa existência, e sim o Caos. E não quero me transformar em um cético que só consegue enxergar coisas sem sentido nessa vida, pois céticos quase nunca são felizes. E todas as minhas ações são dirigidas à minha felicidade. Por isso, preciso de sua ajuda. 

Aguardo algum sinal de sua existência.
Até lá.

André Marçal.

Saturday, November 20, 2010

Certeza

É toda essa inconstância que faz dessa vida tão estranha. Em um final de semana, tenho você perto de mim, seu corpo explorando o meu, sono tranquilo pois tenho o seu carinho logo pela manhã. 

No fim de semana seguinte, só tenho a certeza de que vou acordar sozinho.


André Marçal

Wednesday, August 11, 2010

Boa Noite.

E tudo o que realmente importa, depois de um longo e estressante dia de trabalho, depois de matar a fome, depois de ter assistido qualquer programa de televisão descompromissado, depois de ter feito todo o ritual para dormir...e a noite é tão silenciosa que é possível escutar os ecos de uma solidão anunciada...o que importa é ter alguém nem que seja para falar um boa noite no celular. 

Ouvir aquela voz e ter a sensação familiar de que qualquer coisa vale a pena. E quando amanhecer um novo dia, cheio de atividades e compromissos, a certeza que de a noite vai garantir ao menos uma sensação de plenitude.
 
André Marçal

Wednesday, July 28, 2010

A primeira carta.

Tinha dez anos quando aconteceu pela primeira vez. Mesmo com a pouca idade, mesmo não tendo tanta maturidade para compreender as coisas, ele se surpreendeu. Achava que seria mais velho quando, finalmente, acontecesse. Pelo menos era o que todos diziam.

Ele gostava de ir à praça do bairro, onde existia uma quadra de vôlei, e vê-la jogar. Ficava reparando na habilidade que ela tinha com a bola, e como levava a sério o esporte. Ela mandava instruções e todos obedeciam, mesmo se não concordassem. Ela era popular pelo bairro inteiro, e sem sombra de dúvidas a garota mais bonita. Talvez por isso, todos relevassem qualquer tipo de defeito mínimo. 

Ia ao mercado do bairro, e quando via que ela estava lá também, ficava ali próximo da prateleira, fingindo interesse em algum produto. Ele ficava mexendo no cabelo de forma quase obsessiva porque diziam que era o que ele tinha de mais bonito. E ele queria que ela dissesse o mesmo. Ia para a fila do caixa junto a ela, mesmo que não houvesse escolhido exatamente o que queria comprar, só para sentir se ela usava algum perfume.

Descobriu com ela a falta de concentração em coisas mundanas. Começava ali a dificuldade de pegar no sono imediatamente...algo que o atormenta até hoje. Descobriu com ela que poderia se dar prazer só de pensar. Descobriu com ela os amores inventados. Criava situações entre ele e ela, diálogos, declarações de amor...

E achou que já era o suficiente, e tomou uma decisão. 

Ele sabia onde ela morava. Às vezes, pegava a bicicleta e dava voltas no quarteirão só para ver se conseguia vê-la, nem que fosse por alguns segundos. Mas, dessa vez, ele queria que ela não estivesse na rua. Foi pedalando até lá, determinado, segurando com cuidado a carta em uma das mãos. A carta, que seria a primeira de muitas na vida dele. Foi diminuindo a velocidade gradualmente, e parou por completo quando viu a casa em que ela morava. O carro não estava na garagem, e a julgar pelas janelas fechadas, não havia ninguém. Não acreditando na sorte, foi correndo até a porta, e deixou a carta junto com as outras que o correio do dia havia entregue ali. 

Ficou por dois dias imaginando a reação dela ao ler o que ele havia escrito. Acharia estranho? Ficaria lisonjeada? Ofendida? Nem daria importância? Será que responderia? A resposta ele teve no terceiro dia. 

Era festa junina do bairro. Ele brincava de "polícia e ladrão" com alguns amigos. Começou a procurar em um local quase às escuras entre uma árvore e um carro estacionado. O que encontrou foi ela aos beijos com outro rapaz. Um rapaz bem mais velho. Foi o bastante para que ele percebesse todo o absurdo da situação. E seguiu com a sua vida. 

Quinze anos depois, ele vê a mesma garota, agora uma jovem adulta, no mesmo clube que ele frequenta. Vão fazer exercícios juntos. E a vontade de perguntar sobre a carta aumenta a cada dia mais nele. Ele só quer saber se a história, hoje, pode ser diferente.

André Marçal

Sunday, May 09, 2010

Travesseiro

Fico ali deitado perto de você. Uso a sua barriga como o meu travesseiro. Você fica mexendo no meu cabelo, entrelaçando seus dedos em um vai-e-vem gostoso. Desce sua mão, como quem não quer nada, para a minha nuca.
Fico ali sentindo o toque macio dos seus dedos. E, de repente, não preciso de mais nada. Não falo, não penso e todas as minhas ansiedades desaparecem. 
Queria que você fosse o meu travesseiro por todas as noites. 

André Marçal

Thursday, March 18, 2010

Estranha familiaridade

Ela não tinha problemas com momentos pós sexo. Conseguia conversar sobre qualquer coisa, por mais irrelevante e desconexa que fosse. Silêncio não a incomodava. Podia ficar ali só olhando os corpos cansados, peitos arfantes. Sem problemas se a abraçassem de lado, encaixassem o pescoço no ombro dela enquanto acariciavam seus cabelos. Um "te amo" susurrado no ouvido e tudo fazia sentido. 

Mas, hoje não. Era tudo diferente. O corpo ofegante do lado era estranho a ela. Não teria o que conversar nesse momento, e cafuné em seu cabelo seria algo do mais constrangedor. Tentou permanecer em silêncio. Trinta segundos depois, se levantou, vestiu a primeira peça de roupa que encontrou e foi para o banheiro. 

Ficou se encarando no espelho sem saber muito bem o que procurar. De repente, sentiu-se estranha em sua própria casa. Um sentimento novo o qual ela não estava gostando. "Isso nunca aconteceria se fosse com...", mas interrompeu o pensamento. Pensar nele agora só dificultaria ainda mais. 

Ouviu o barulho da janela se abrindo e o inconfundível abre-fecha de um isqueiro. Antes que o inevitável acontecesse, ela abriu a porta do banheiro e entrou no quarto. Encontrou ele quase vestido e com o cigarro na mão. Tentou fazer um cara impassível e esperou. 

"Eu ia te perguntar se podia fumar aqui, mas você foi para o banheiro...", tentou justificar ele.
"Eu não fumo", foi tudo o que ela conseguiu dizer. Encarou aquele corpo semi desnudo mais uma vez e achou tudo estranho. Não conseguiu evitar o desejo. O outro. Aquele outro corpo que era tão familiar a ela. Sabia quase de cor.
"Desculpa, então". Jogou o cigarro pela janela mesmo. Foi até a cama e vestiu a camisa. Pegou os sapatos e emendou: "Eu tenho que ir. Tenho que ir mesmo".
"Tudo bem...", ela respondeu e tentou sorrir.
  
"Eu te ligo depois", disse enquanto colocava o cinto. "Você me deu seu celular, não?"
"Acho que sim...".
Ele não checou.
"Certo, então. Eu te ligo".
"Claro..." ela disse, mas não queria que ele ligasse.
Ele se aproximou dela para se despedir. Tentou dar um beijo, mas desistiu no meio do caminho. 
"Tchau, então".
Ela o encarou mais uma vez. "Até um dia...", foi tudo o que conseguiu dizer.
"Até", ele respondeu e foi embora sem olhar para trás. Ela não precisou acompanhá-lo até a porta.

Ela ficou sozinha no quarto. Deitou na cama mais uma vez. Como tudo nessa noite, o cheiro impregnado em  todos os cantos era estranho. 

Não mais estranho, obviamente, que esse sentimento. E ela não sabia mais o que fazer. A única solução que conseguia enxergar era dormir. Amanhã ela iria tentar de novo. Iria, a todo custo, tentar encontrar a familiriadade novamente. Sempre.

André Marçal

Sunday, March 14, 2010

Sábado

Era uma noite de Sábado quente e preguiçosa, e uma inquietação começou a tomar conta dele. Era sempre assim quando noites de fins-de-semana começavam a se aproximar. Nesse dia em particular, entretanto, o desassossego parecia ainda maior. Ele não sabia muito bem o que fazer. Pensou em ficar em casa mesmo. Já era familiarizado demais com esse sentimento para saber que logo iria passar. Resolveu assistir a um filme, mas não conseguiu terminar. Começou a folhear um livro jogado na estante do quarto, mas não conseguiu concentrar na leitura. Tentou escrever alguma coisa, mas só ficou encarando as linhas da folha em branco.

Chegou à conclusão de que seria melhor sair para algum lugar. Ficar em casa seria doloroso demais. Pegou o celular e começou a ver todos os nomes da agenda. Nenhum parecia interessante. Desejou que alguém ligasse para ele, e o convidasse para algum lugar, só para variar um pouco. Mas o celular não tocou. Deitou na cama e começou a pensar em todas as pessoas interessantes que passaram na sua vida. Ele se perguntou o que aconteceu à elas, o que andavam fazendo, se tinham casado, o que estudaram, se andavam ganhando dinheiro. Uma nostalgia se apoderou dele e ele achou que já era o bastante. 

Pegou a chave do carro, escolheu um dos seus CD's favoritos e começou a dirigir sem direção. Parou em um dos Cafés da cidade e começou a observar as pessoas, enquanto tentava soborear a bebida quente. Via os namorados, os amigos dando risadas, os solitários e tentava imaginar histórias para eles. Sentiu uma tristeza de repente. Foi ao banheiro e se olhou no espelho. Não conseguiu encontrar nada de errado com ele.

Um outro lugar talvez melhorasse o humor, ele pensou. Pagou a conta, voltou ao carro, e mais uma vez dirigiu sem destino. Mas, tudo parecia muito sem graça. Noite não tem cores. Pessoas, carros e lugares parecem o mesmo. E a música nas caixas de som também não ajudava. 

Pegou a primeira avenida que o levava direto para casa. Tudo o que ele queria era a familiariaridade de volta. Entrou no seu quarto e deitou na cama: o único lugar que, uma hora e meia atrás, não queria ficar. De repente, era o lugar mais confortável que já esteve. 

Chegou à conclusão que, no próximo fim de semana, iria sair com alguém.
Ou não....

André Marçal